CONSIDERAÇÕES SOBRE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO ESPECIAL

Escrito em 09/06/11

Ontem, oito de junho, quando coloquei a cabeça no travesseiro fiquei pensando em tudo o que tinha acontecido durante o dia. Foi um dia cheio, passei em varias passagens, observei e fui observada. Pessoas nas ruas, friozinho vindo da serra da Mantiqueira, carros, motos, enfim, a paisagem de outono que faz nossos dias parecer menores do que já são.
Mas o motivo que me levou a refletir sobre o mundo que me rodeia foi a diversidade de pessoas com as quais me deparei durante esse dia. Como o ser humano e complexo e diverso, como as pessoas se diferenciam e se revestem daquilo que a sociedade lhes impõe. E extraordinário como nossa essência esta contida naquilo que mostramos ter, e não naquilo que somos.
Participei do 1º Fórum de Educação Tecnológica do IFSul de Minas, foi um compromisso de trabalho. Durante o discurso do Magnífico Reitor do Instituto Federal do Sul de Minas, Senhor Sérgio Pedine, fiquei analisando sua fala, e nela estava embutida a necessidade de apontar para a platéia a importância dos cursos de formação tecnológica para a sociedade poços-caldense. Platéia lotada, reitores de outros Pólos do IFSul de Minas. Ficou evidente para mim a idéia de Apple quando ele fala que os homens lideram os cargos administrativos da educação. E que no mundo ocidental, aproximadamente dois terços da forca de trabalho no ensino provem de mulheres. Essa realidade fica bem visível quanto mais se aproxima a base do sistema educacional.  Temos ai uma distorção entre as oportunidades de trabalho com relação ao gênero.
Ainda pensando nas pessoas que encontrei, lembro-me do homem que punha as mercadorias nas sacolas do caixa no supermercado. Rostinho de menino e corpo de homem. Um homem com uma deficiência chamada Síndrome de Down. Bom, mas será que ele tem deficiência mesmo ou foram os seus iguais que o rotularam assim. Quando as pessoas não são e não se comportam conforme um padrão que a sociedade coloca elas ficam esquecidas em seus mundos. Essa e uma realidade latente que existe desde sempre.
Perante uma sociedade voltada para a construção de valores distorcidos, revestida de preconceitos diversos, fica evidente que a diferença está inserida na suposta importância que cada um tem perante essa sociedade.  Até meados do século passado, a escola não era nem para todos os possíveis “normais”, imagine então para alguém quem tivesse algum tipo de limitação intelectual. O currículo escolar, como instrumento de poder e ideologia, transitou durante muito tempo, carregado de preconceitos que excluíam de forma avassaladora. As relações sociais e culturais da escola, fonte de saberes relativos ao currículo oculto, auxiliavam na construção de padrões ideais de pessoas, rotulando os alunos em função de gênero, etnia, escolha sexual, e ainda, padrões de aprendizagem.
Em 2001, o Plano Nacional da Educação estabelece novos objetivos e metas para a Educação Especial, entre elas, orientar acerca da adaptação/flexibilização dos currículos escolares. São políticas que tentam contornar uma série de limitações, incluindo as curriculares, que se arrastaram no campo educativo durante décadas. A intenção é fazer o ajustamento do aluno com algum tipo de necessidade educativa especial para a escola regular, pois, até então, esses alunos só poderiam freqüentar escolas para deficientes, como as APAE´s[1].
Embora não seja essa a referencia para a Educação Especial, o currículo multiculturalista busca na discussão sobre as diversas formas de discriminações de grupos sociais um respaldo para minimizar as desigualdades que são reproduzidas por meio dos currículos tradicionais. Essa talvez tenha sido uma brecha que surgiu para inserir a discussão das mudanças curriculares no que diz respeito às diversas formas de discriminação, uma vez que, conforme discute Silva (2011), a igualdade não pode ser obtida simplesmente através da igualdade de acesso ao currículo hegemônico que existe.
Para a Educação Especial, uma forma de garantir o acesso do aluno com deficiências diversas foi a criação do Curriculo Funcional. Este currículo tem como ponto de partida a obra do professor Low Brown, que nos anos 70 inseriu, nos Estados Unidos, uma abordagem diferenciada de trabalho com crianças e jovens com deficiências intelectuais. Brown considerava que o conteúdo programático, para esse público de forma especifica, não deveria se basear em diferentes níveis de QI e diferentes tipos de deficiências, mas considerar todos os indivíduos.
De acordo com Costa (2006), na perspectiva funcional o currículo pretende:
“- proporcionar aos alunos o desenvolvimento de competências essenciais à participação numa variedade de ambientes; - preparar os alunos para responder aos desafios duma vida tão autônoma e integrada quanto possível, no presente e no futuro; - capacitar os alunos nas áreas do desenvolvimento pessoal e social e da adaptação ao meio laboral” (pg. 05).

E o que chama atenção para essa discussão é o terceiro item, pois, esse direciona a questão da preparação do aluno com algum tipo de deficiência para o mercado de trabalho. As práticas são direcionadas e consideram o individuo nas suas habilidades, não limitações.
O currículo funcional sinaliza para essas novas formas de aprendizagens e acesso a conhecimentos escolares, entretanto, ainda não é garantia de uma escola igualitária, até porque, por trás de todas essas questões ainda estão os interesses capitalistas que articulam a sociedade.
Por Patrícia Lisboa

Referências:

Brasil, 2001. Plano Nacional de Educação. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm>. Data de acesso: 09/06/11.
Costa, Ana Maria B. Currículo Funcional no Contexto da Educação Inclusiva. Disponível em: < http://redeinclusao.web.ua.pt/files/fl_46.pdf>. Data de acesso: 09/06/11.
Silva, Tomaz T. Documentos de Identidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.





[1] Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

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